GASLIGHT: o que é e o que pode causar
- 16 de mar. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: há 4 dias
O termo "Gaslighting" refere-se a uma forma de comportamento abusivo em que uma pessoa busca minar a confiança e a sanidade mental de outra pessoa, com o objetivo de mantê-la sob controle. Você já viveu uma situação em que começou a duvidar da própria memória?
Ou sentiu que suas emoções estavam sendo constantemente desvalorizadas — até o ponto em que você se perguntava se não estaria mesmo “ficando louca”?

Esse é o terreno do gaslighting, uma forma de manipulação psicológica que faz com que a vítima duvide da própria realidade.O termo vem do filme clássico Gaslight (1944), em que um marido manipula a esposa de forma tão sutil que ela começa a acreditar que está perdendo a sanidade.Ele apaga e acende as luzes da casa — e quando ela percebe, ele insiste:
“Você está imaginando coisas.”
Essa cena deu nome a um dos mecanismos mais cruéis de dominação psíquica: o gaslighter cria uma realidade paralela e convence o outro de que ela é a única possível.
Na vida real, o gaslighting não acontece de forma cinematográfica, mas em pequenas doses — um comentário aqui, uma negação ali, até que a pessoa começa a ceder a própria percepção para caber no ponto de vista do outro.
De onde vem o termo "Gaslight"?

O termo "Gaslight" vem de clássico filme de suspense de 1944, estrelado por Ingrid Bergman e Charles Boyer, o filme conta a história de uma jovem mulher chamada Paula, que herda uma casa de sua tia assassinada.
Enquanto mora na casa com seu marido, o personagem interpretado por Boyer, coisas estranhas começam a acontecer e Paula começa a questionar sua própria sanidade.
A atuação brilhante de Bergman como a protagonista que é vítima de uma forma de abuso psicológico conhecida como "gaslighting" e a direção habilidosa de Cukor criam um clima de tensão crescente que mantém o espectador preso à trama até o final.
"Gaslight" foi indicado a sete Oscars e é amplamente considerado um dos melhores filmes de suspense já feitos.
O que é Gaslight?
O gaslighting acontece quando alguém distorce, nega ou invalida de forma sistemática aquilo que você sente, pensa ou lembra.Às vezes é sutil — um “você está exagerando”, “você entendeu errado” —, mas com o tempo cria uma rachadura na sua autoconfiança.
A pessoa manipuladora não precisa mentir sobre grandes eventos: basta questionar pequenas verdades, colocar dúvida no que você afirma, ou fazer você se sentir emocionalmente “instável”.Com o tempo, a vítima começa a duvidar não apenas do outro, mas de si mesma.
Psicanaliticamente, trata-se de uma tentativa de tomar posse do campo de realidade do outro.O agressor transforma sua percepção em um território controlado, onde só ele decide o que é “real” e o que é “imaginação”.É uma forma de colonização psíquica, em que o sujeito deixa de ser autor da própria experiência emocional.
Alguns exemplos são:
"Pare de ser tão sensível"
"Supere isso"
"Voce está bem? Está dizendo umas coisas esquisitas"
"Você não tem o direito de se sentir assim"
"Você é ..." e define quem você é, geralmente com estereótipos
"Eu nunca disse isso"
"Isso nunca aconteceu"
"Acho que você está surtando, você precisa de ajuda"
"Por que você não leva na brincadeira?"
"Por que você está sempre tão bravo?"
"Por que você não esquece do passado?"
"Parece que você está exagerando."
"Desculpe se você fez a você mesmo se sentir desse jeito."
"Não tem porque você se sentir assim." "Ninguém nunca vai te aceitar/amar como eu."
O gaslight geralmente acontece em reação a um apontamento que alguém faz sobre algum fato ou característica que o manipulador quer negar sobre ele mesmo.
Esta prática pode ter sutilezas como uma "preparação de terreno" onde o manipulador afirma algo na espera de uma reação emocional do manipulado, com isso o manipulador consegue atestar o rótulo que deu ao manipulado.
E ainda quando não há reação emocional do manipulado, o manipulador pode ainda sim forçar sua própria narrativa, opinião ou desfecho sobre o manipulado.
A regra é: Não engaje. Saiba quem você é e fique firme no seu senso de realidade.
Em adição ao à manipulação direta, existem também outros 2 tipos de gaslight, o secundário e o terciário. No secundário amigos e família podem ecoar algo do conteúdo da manipulação.
Amigos e família, muitas vezes não intencionalmente, podem tomar a narrativa do manipulador como algo que faz sentido ou é razoável, tornando a dúvida e a confusão ainda maiores.
O gaslight terciário é o sofrido por profissionais da saúde, incluindo psicólogos e psiquiatras. Acontece quando as presunções são mais rápidas do que a relação que há de ser construída com o paciente, ou apenas pelo não domínio sobre o assunto.
Esta prática costuma funcionar por que todos nós internalizamos os vieses do mundo, premissas sobre gênero, nacionalidade, visão política, etc. Desse modo, em um lugar de confusão sobre nós mesmos, questionamos se nós temos realmente um problema.
All Her Fault: uma história contemporânea sobre gaslighting

A nova série baseada no livro de Andrea Mara, a série começa com uma cena banal:Marissa Irvine chega à casa onde deveria buscar o filho após uma tarde de brincadeiras. Uma mulher que ela nunca viu abre a porta — e afirma, com serenidade, que não conhece nenhuma criança com aquele nome.
O que poderia ser apenas um mal-entendido se transforma num pesadelo psicológico.A protagonista tenta provar o que viu, o que sabe, o que sente — mas tudo à sua volta começa a negar sua realidade.A cada episódio, a dúvida se amplia: será que o filho realmente estava ali? será que ela se confundiu? será que enlouqueceu?
Os Efeitos da Exposição à Manipulação
Quando alguém é submetido a manipulação por um longo período de tempo, pode experimentar efeitos emocionais e psicológicos prejudiciais que afetam suas relações interpessoais, aumentam o medo da rejeição e prejudicam seu desenvolvimento como pessoa.
A manipulação prolongada pode levar a sentimentos de insegurança, ansiedade e desespero e até mesmo ser persuadido coercitivamente a adotar uma realidade que não é sua.
Abaixo descrevo os diferentes tipos de possíveis abusadores com base na classificação psiquiátrica e indico em quais tipos o gaslight é mais provável. É importante ressaltar que estas características existe em algum espectro em todos nós.
Tipos de Gaslighters
Nem todo manipulador age da mesma forma.O gaslighting pode se expressar de maneiras diferentes conforme a estrutura de personalidade de quem o pratica — o que muda é a função psíquica por trás da manipulação.
Em todos os casos, o objetivo é semelhante: fazer o outro duvidar de si, enfraquecer o senso de realidade e, assim, garantir poder e controle emocional.Mas os caminhos até aí variam — e entender essas variações é o primeiro passo para identificar o tipo de vínculo em que você está envolvido.
🌪️ O narcisista
O gaslighter narcisista manipula para preservar sua imagem idealizada.Ele não suporta ser contrariado, e transforma qualquer divergência em prova de que o outro é “instável”, “problemático” ou “difícil”.Sua crueldade não é sempre explícita — ela se revela na frieza calculada, na ironia constante e no desprezo disfarçado de racionalidade.Por trás da superioridade, há fragilidade narcísica: a necessidade de se sentir perfeito, ainda que à custa do outro.
🕯️ O paranoide
Para o paranoide, o outro é sempre uma possível ameaça.Ele manipula invertendo os papéis: acusa, distorce, projeta.Cria narrativas cheias de suspeitas e faz o parceiro se sentir na obrigação de se justificar o tempo todo.O gaslighting aqui funciona como defesa projetiva — ele se protege de suas próprias fantasias hostis atribuindo-as ao outro.
⚙️ O obsessivo
No obsessivo, o gaslighting vem mascarado de “lógica” e “razão”.Ele invalida o que o outro sente com argumentos intelectuais, como se as emoções fossem defeitos a corrigir.Frases como “você está sendo irracional” ou “isso não faz sentido” são típicas.Por trás da rigidez, há medo do caos emocional — e o controle sobre o outro é a maneira de conter o próprio desamparo.
🎭 O histriônico
O histriônico manipula pela emoção, pelo exagero e pela dramatização.Ele faz o outro se sentir culpado por não corresponder às suas expectativas, alternando encantos e ataques com a mesma intensidade.O gaslighting surge como chantagem afetiva: se o outro não cede, ele é frio; se cede, é acusado de sufocar.O foco é manter o olhar do outro fixo sobre si — custe o que custar.
⚔️ O borderline
Aqui, o gaslighting nasce do medo do abandono.A pessoa borderline alterna idealização e desvalorização: num dia, o outro é perfeito; no seguinte, é inimigo.A negação de fatos, a distorção de cenas e as reinterpretações extremas não têm cálculo racional — são tentativas desesperadas de preservar o vínculo.Quando sente que o outro vai se afastar, pode negar até o que acabou de dizer, apenas para não lidar com a perda.

Saiba mais sobre como se proteger responder à uma investida tóxica.
O mecanismo de inversão
O gaslighter usa um truque simples: inverte a responsabilidade.Você se sente confusa, e ele diz que é você quem está enlouquecendo.Você tenta resolver, e ele acusa você de ser agressiva. No fim, ele parece a pessoa calma e racional, enquanto você se sente perdida e desorganizada.
A confusão mental não é um efeito colateral — é o objetivo.Quando a dúvida se instala, o agressor não precisa mais controlar: você mesmo começa a se policiar.
A perda de referência interna
O gaslighting opera como uma erosão silenciosa do eu. Ao duvidar de si, o sujeito perde sua bússola interna, e o olhar do outro se torna a única fonte de validação.A pessoa se adapta para ser aceita, mede as palavras, pede desculpas por existir.
O pensamento crítico se apaga, e em seu lugar cresce uma forma de auto-vigilância psíquica: o medo de ser “demais”, “sensível”, “louca”.É como viver num espelho trincado, onde cada reflexo é uma versão distorcida de si mesma.
🩸 As marcas invisíveis
As feridas deixadas pelo gaslighting raramente são vistas de fora. Elas se manifestam como:
ansiedade constante, sensação de estar sempre errando;
culpa difusa, mesmo quando nada foi feito de errado;
dificuldade em tomar decisões, medo de agir e ser mal interpretada;
isolamento, porque ninguém parece compreender o que se passa;
dissociação leve, como se parte de si observasse tudo de longe.
Na clínica, muitas vezes essas pessoas chegam com um discurso autocrítico, racional, organizado — mas há algo no olhar que denuncia a fadiga de quem passou tempo demais tentando provar a própria sanidade.
🧩 O trauma da dúvida
Ferenczi dizia que o trauma não é apenas o que acontece, mas o que não encontra testemunha. No gaslighting, a experiência é duplamente traumática: primeiro, pela violência emocional; depois, pela negação dessa violência.Não há espaço para simbolizar — só resta o vazio.
É um tipo de trauma relacional que produz confusão identitária e colapso da confiança básica.Para se reconstruir, o sujeito precisa primeiro voltar a confiar na própria percepção — e isso exige tempo, escuta e vínculo terapêutico estável.
Conclusão
O fenômeno do gaslighting é uma forma insidiosa e predatória de abuso psicológico que pode ter efeitos consideráveis na vida de suas vítimas.
Embora a manipulação e a negação de fatos possam parecer sutis, ao longo do tempo, a vítima pode começar a duvidar de sua própria percepção da realidade e questionar sua sanidade.
É importante que as pessoas estejam cientes dos sinais de gaslighting para se proteger desse tipo de comportamento.
Se sofreu gaslighting, é essencial procurar ajuda de um profissional de saúde mental ou de um grupo de apoio para se recuperar e reconstruir sua autoconfiança e entrar novamente em contato com a sua realidade.










Comentários