Os relacionamentos sempre foram uma fonte ambígua de prazer e desprazer. Enquanto a relação amorosa pode trazer felicidade e nutrição emocional, também pode ser palco de manipulações emocionais que geram sofrimento e minam a autoestima. A necessidade de nomear esses padrões negativos se intensificou com o avanço da comunicação digital e das redes sociais, tornando visível um fenômeno que sempre existiu: a instrumentalização dos sentimentos alheios para obter atenção, controle ou validação.
Dar nomes pode ser importante no sentido de passar a ter consciência de certos padrões e dá oportunidade de superá-los.

O Dicionário Moderno da Ilusão Amorosa
Esses termos surgiram principalmente com a evolução das relações modernas, impulsionadas pela internet, aplicativos de namoro e redes sociais. Eles refletem padrões de comportamento que sempre existiram, mas que se tornaram mais comuns (ou mais evidentes) com as novas formas de comunicação digital.
Love Bombing – É uma "tática" manipulativa onde uma pessoa despeja elogios, declarações de amor e demonstrações intensas de afeto logo no início da relação, criando uma falsa sensação de conexão profunda. O objetivo pode ser prender a outra pessoa emocionalmente para depois controlar a relação ou perder o interesse repentinamente, deixando o outro confuso e vulnerável.
Ghosting – Ocorre quando alguém desaparece sem explicações, interrompendo todo contato de forma abrupta. Essa atitude pode causar grande sofrimento, pois a pessoa deixada para trás fica sem encerramento emocional (closure), muitas vezes se perguntando o que fez de errado. O ghosting se tornou ainda mais comum com os aplicativos de namoro, onde as interações podem ser descartadas com um simples deslizar de tela.
Breadcrumbing – Quando alguém dá pequenas migalhas de atenção, mantendo a outra pessoa esperançosa sem a intenção de um compromisso real.
Benching – Manter alguém "no banco de reservas", ou seja, dar esperanças de um possível relacionamento sem nunca assumir compromisso, mantendo a pessoa como segunda opção.
Orbiting – Quando alguém para de falar com você, mas continua interagindo com suas redes sociais (curtindo posts, assistindo stories), criando uma presença constante sem aprofundar a relação.
Stashing – Quando a pessoa mantém um relacionamento, mas evita apresentar o(a) parceiro(a) para amigos, família ou redes sociais, escondendo a relação.
Paperclipping – Quando alguém que sumiu reaparece apenas para testar se ainda tem sua atenção e interesse, mas sem a intenção de retomar o relacionamento.
Gaslighting – Manipulação emocional onde uma pessoa faz a outra duvidar da própria percepção e sanidade, negando acontecimentos e distorcendo a realidade.
Negging – Comentários sutis ou disfarçados de elogios que, na verdade, têm a intenção de diminuir a autoestima da outra pessoa para que ela busque mais validação.
Love Scamming – Quando alguém finge estar emocionalmente envolvido para tirar proveito financeiro ou emocional de outra pessoa.
Fleabagging – Entrar repetidamente em relacionamentos ruins ou tóxicos, mesmo sabendo que vão dar errado.
Gatsbying – Postar algo nas redes sociais com a intenção de chamar a atenção de uma pessoa específica, sem interagir diretamente.
Origens e popularização
Psicologia e cultura pop – Alguns termos foram criados por especialistas em comportamento humano, psicólogos e coaches de relacionamento, como gaslighting, que vem de um filme dos anos 40 e foi adotado para descrever manipulação psicológica.
Redes sociais e fóruns online – Muitos desses conceitos ganharam nome em fóruns como Reddit, Twitter, TikTok e Instagram. Pessoas começaram a compartilhar experiências e a nomear padrões de comportamento que identificavam em seus relacionamentos.
Aplicativos de namoro – Com a ascensão do Tinder, Bumble, Hinge e outros apps, novos padrões de comportamento amoroso surgiram, o que levou à criação de termos como ghosting, breadcrumbing e orbiting, que descrevem as novas dinâmicas de encontros e rejeições digitais.
Mídia e entretenimento – Séries, filmes e artigos de sites como BuzzFeed e The Guardian ajudaram a disseminar esses nomes, tornando-os populares entre o público geral.
Humor e memes – Muitos desses termos viralizaram como memes, pois resumem de forma engraçada ou dramática situações comuns em relacionamentos modernos.
Porque as pessoas manipulam emocionalmente?
Brincar com os sentimentos alheios é uma forma de manipulação emocional que pode causar sofrimento em quem é alvo desse comportamento. No entanto, quem pratica também não sai ganhando: no fim, ninguém vivencia uma conexão real, nem colhe mérito ou nutrição emocional genuína.
Esse tipo de atitude acontece, muitas vezes, porque os relacionamentos deixam de ser vistos como laços autênticos com história e sentimento e passam a ser tratados como um algo consumível, ou um símbolo de status social. O foco não está no afeto sincero, mas sim em interesses ocultos (às vezes até de si mesmo) – seja a necessidade de controle, validação ou uma satisfação egoísta que, no final, leva sempre à um eterno vazio.
Quem acredita que precisa recorrer a “táticas” para conquistar o amor do outro geralmente revela imaturidade emocional, repete padrões disfuncionais herdados de dinâmicas familiares complexas ou nunca experimentou o que a psicanálise chama de holding – a sensação de acolhimento e segurança emocional em uma relação genuína. Para essas pessoas, a conexão humana se torna algo mecanizado e desumanizado, um meio para preencher um vazio interno ou aliviar um sofrimento mais profundo e muitas vezes longe da consciência.
Conclusão
Nomear os padrões de manipulação emocional não apenas nos ajuda a reconhecê-los, mas também nos dá a oportunidade de questioná-los e superá-los. Em um mundo onde os relacionamentos, muitas vezes, são tratados como transações ou conquistas sociais, compreender essas dinâmicas é essencial para construir conexões mais saudáveis e genuínas.
Embora as interações amorosas sempre tenham sido fontes de prazer e dor, a forma como lidamos com elas pode evoluir. O problema não está apenas naqueles que manipulam, mas também na cultura que incentiva a superficialidade e o medo da vulnerabilidade. Quem recorre a táticas para conquistar o outro, sem um real envolvimento emocional, acaba preso a um ciclo de insatisfação e vazio.
No fim, relacionamentos autênticos não se constroem por meio de jogos, mas sim pela disposição em estar presente de verdade, sem artifícios ou estratégias frias. O desafio é reconhecer o que é construído sobre ilusão e o que nasce do afeto genuíno — e escolher, conscientemente, não brincar com os sentimentos de ninguém.
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