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AMOR TRANSACIONAL: Por que chamamos de amor relações que são arranjos

  • há 1 dia
  • 4 min de leitura

O amor não significa hoje o que já significou. Ao longo do tempo, ele deixou de ser apenas aliança social, destino ou dever, para se tornar experiência subjetiva, fonte de sentido, validação emocional e promessa de completude.


O problema é que a palavra permaneceu a mesma, enquanto as funções dela sempre mudaram.


Cena do filme Anora mostrando a protagonista em um momento de proximidade íntima e vulnerabilidade emocional, sugerindo envolvimento afetivo. A imagem transmite a fantasia de elevação romântica e de ser “escolhida”, ao mesmo tempo em que deixa entrever a assimetria do vínculo, no qual o afeto existe, mas é sustentado por uma estrutura transacional e por fantasia, não por reconhecimento mútuo ou encontro genuíno.
Anora, Ganhador do Oscar em 2025

Na confusão contemporânea, também chamamos de amor relações organizadas por troca, uso, segurança, regulação emocional ou status. O discurso moral tenta separar “amor verdadeiro” de interesse; o discurso econômico reduz tudo a negociação. Ambos empobrecem o fenômeno do amor.


O que interessa clinicamente não é defender o amor de uma suposta corrupção, mas diferenciar posições subjetivas. Nem toda relação é amor romântico e nem toda transação é adoecida. O sofrimento começa quando pactos funcionais são vividos como ideais, e quando o uso do outro precisa ser negado para que a relação se sustente.


Amor transacional: promessa afetiva a serviço de um arranjo

O amor transacional não promete, de fato, estabilidade, cuidado ou reconhecimento. O que ele promete é ilusão: a fantasia de que um arranjo funcional pode se transformar em amor ideal. É essa promessa (muitas vezes não dita, mas atuada) que sustenta o vínculo entre pessoas que estão em uma condição específica de pensar a vida (descrevo mais abaixo).


Não se trata de um pacto claro entre dois sujeitos completamente abertos afetivamente. Trata-se de um acordo assimétrico sustentado por fantasia compartilhada. A linguagem do amor entra para encobrir a natureza do arranjo e permitir que ele seja vivido como exceção, destino ou salvação.


Em Anora, isso aparece com nitidez. Ela não é enganada apenas pelo outro, mas pela imagem de amor que se forma: ser escolhida, elevada, retirada do lugar de objeto funcional para o de mulher única. O afeto existe mas no fundo a relação é um "brincar de".


A frustração surge quando a realidade rompe a promessa: não porque houve maldade consciente (existem casos em que há), mas porque a realidade foi mais forte que a estrutura do vínculo. Clinicamente, o amor transacional adoece quando a ilusão precisa se manter a qualquer custo, mesmo contra a experiência.

Os arranjos que sustentam a idéia vazia de amor


O amor transacional se organiza em torno de arranjos específicos, que não são aleatórios, mas respostas psíquicas e sociais a impasses concretos:


  • Status: o outro funciona como acesso simbólico a um lugar social desejado. Amar é ser visto.

  • Poder: o vínculo organiza hierarquia, controle e assimetria. A relação sustenta sensação de domínio ou exceção.

  • Sobrevivência: o laço responde a necessidades materiais, proteção ou estabilidade mínima. O amor aparece como justificativa posterior.

  • Imagem: estar com alguém serve para compor uma narrativa de valor, sucesso ou normalidade.

  • Provar valor: o outro é convocado como testemunha narcísica, ser escolhido confirma existência.

  • Provar sexualidade: o vínculo (ou vários vínculos) garante identidade sexual ou de potência, mais do que troca erótica real.


Nesses casos, o afeto pode existir, mas não organiza o vínculo. Ele é subordinado à função do arranjo prático.

As pessoas que se envolvem em um arranjo prático


O amor transacional tende a envolver pessoas que não passaram pela experiência de amor enquanto encontro espontâneo ou então não acham que isso é um algo real. Portanto, não possuem repertório psíquico para sustentá-lo. Não se trata de falha moral, mas de história emocional.


A lógica deixa de ser viver o vínculo e passa a ser comprar um lugar: um espaço, um título, uma identidade relacional. O amor vira meio, não experiência.


Algumas posições aparecem com mais frequência:


  • Funcionamentos normopáticos, adaptados à norma, mas empobrecidos de vida emocional.

  • Posições esquizoides, em que a proximidade é vivida como invasão e a função protege a própria integridade psíquica.

  • Perfis controladores, que precisam reduzir o outro a previsibilidade para não entrar em contato com a dependência, a perda, a vergonha, etc.

  • Pessoas excessivamente práticas, para quem emoções são abstrações, perigosas ou pouco confiáveis.


Em comum, há dificuldade de sustentar indeterminação, vulnerabilidade e alteridade elementos centrais do amor enquanto experiência viva.



A experiência de amor emocional


Não é um produto, então não conseguimos medir em termos de "narrativa ideal", certo ou errado... amar é apenas amar. Quando a experiencia de gostar, de se atrair, de amar não encontra obstáculos práticos, morais ou imagéticos, amar é simplesmente um bem estar, um querer bem. Sem pagamentos ou recebimentos.

O amor deixa de ser transacional quando o outro não é mais convocado para sustentar um arranjo, uma imagem ou uma prova de valor, e passa a ser encontrado como sujeito separado, imprevisível e não controlável. Isso exige repertório psíquico, tolerância à frustração e contato com a própria dependência.


Enquanto o amor funciona como promessa ilusória, ele organiza pactos frágeis, sustentados por fantasia e medo de desamparo. Quando essa promessa cai, o vínculo se rompe ou adoece. Não porque o amor falhou, mas porque ele nunca foi o eixo da relação.


Na clínica, o trabalho não é ensinar a amar, nem condenar transações. É possibilitar que o sujeito reconheça de onde ama, para que, se desejar, possa sair do lugar de compra, prova ou sobrevivência e se arriscar (pela primeira vez talvez) à experiência de encontro genuíno.

Referências Bauman, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Zahar, 2004.

Giddens, Anthony. A Transformação da Intimidade. UNESP, 1993.

Bourdieu, Pierre. A Dominação Masculina. Bertrand Brasil, 1999.

McDougall, Joyce. Teatros do Corpo. Martins Fontes, 1989.


 
 
 

1 comentário

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Lili
há 14 horas
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Concordo muito com essa idéia de que existem pessoas que não tem traquejo emocional

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Psicóloga Bruna Lima

CRP 06/130409

Bruna Lima Psicóloga Clínica

Psicblima@gmail.com

+55 11 99411-3832

Bruna Lima é psicóloga clínica com 5 estrelas no Google. Graduou-se em Psicologia pelo Centro Universitário FMU  e tem 10 anos de experiência em psicologia clínica.

Cadastrada E-psi, atende on-line a brasileiros expatriados há 10 anos.

Possui três especializações/certificações em psicanálise pelas instituições:

Bruna também é colunista no AllPopStuff e tem um canal no YouTube.

Com sua sólida formação, Bruna utiliza abordagens psicanalíticas personalizadas para ajudar cada paciente adulto.

Oferece atendimento online e presencial. Entre em contato para agendar.

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