DARK TRIAD explicado sem rótulos: por que certos vínculos adoecem
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Na psicanálise, o que hoje é chamado de Dark Triad personality não é visto apenas como um conjunto de traços “difíceis” em alguém, mas como um modo de se relacionar em que o outro não é vivido/percebido plenamente como pessoa.
Freud já descrevia que, quando o narcisismo é muito fechado em si mesmo e não há limites internos que organizem o cuidado com o outro, o vínculo deixa de ser guiado por consideração e passa a servir ao próprio interesse.

André Green ajuda a entender esses casos ao descrever a experiencia subjetiva de um vazio psíquico em que o outro perde importância emocional e passa a ser tratado como função ou meio.
Otto Kernberg observa que, nessas relações, é comum haver sedução, exploração e descarte, enquanto Christopher Bollas descreve o uso do outro como alguém que serve para regular emoções e sustentar a identidade, não para troca real.
O ponto central não é crueldade consciente, mas uma dificuldade profunda de reconhecer o outro como alguém separado, com sentimentos e limites, o que torna os vínculos inevitavelmente destrutivos para quem se envolve.
O funcionamento por trás do que hoje se chama Dark Triad
Apesar de a psicologia da personalidade descrever a Dark Triad como a soma de narcisismo, maquiavelismo e psicopatia, o que se observa para além de traços isolados é o modo recorrente e negativo de se relacionar.
Trata-se de uma forma de se relacionar em que o outro não é vivido como alguém com interioridade própria, mas como meio de regulação, confirmação ou descarga. Nesses casos, o vínculo não é espaço de troca, mas de uso.
O outro deixa de ocupar um lugar vivo na economia emocional da pessoa e passa a existir como função: alguém que serve para estimular, conter, validar ou sustentar uma identidade frágil. Quando essa função falha, o vínculo perde sentido.
Kernberg observa que esse funcionamento costuma combinar narcisismo e agressividade, seguidas por exploração, desvalorização e descarte.
Do que se trata a triade?
4. Narcisismo patológico: o outro como espelho descartável
O outro existe para sustentar uma imagem
Quando deixa de cumprir essa função, é desvalorizado
Alternância entre idealização e descarte
5. Maquiavelismo: inteligência sem ética relacional
Capacidade cognitiva preservada
Empatia instrumental (entende o outro para manipulá-lo)
Planejamento frio do vínculo
O laço é um jogo, não uma relação
Aqui não há ingenuidade: há cálculo.
6. Psicopatia: ausência de inscrição do outro como sujeito
Não é fúria constante, é indiferença
O outro não é vivido como semelhante
A dor alheia não organiza limites internos
Leitura psicanalítica: falha primitiva de simbolização do outro.
Bem perto de você
Hoje, no Brasil, pessoas com esse tipo de funcionamento aparecem menos como “figuras fora da curva” e mais diluídas em certos contextos sociais, onde esse modo de operar não só é tolerado, como recompensado.
É possível encontrá-las com mais frequência: 1. Em relações amorosas marcadas por assimetria de poder Aplicativos de relacionamento, dinâmicas de descarte rápido, sedução intensa seguida de indiferença. Esses ambientes favorecem:
uso do outro sem implicação
mentiras instrumentais
exploração afetiva
2. Em ambientes corporativos altamente competitivos
Especialmente onde:
performance vale mais que ética
vínculos são descartáveis
empatia é vista como fraqueza
Traços de frieza, manipulação e narcisismo podem ser premiados.
3. Em espaços de visibilidade e poder simbólico
Influenciadores, líderes carismáticos, figuras públicas:
grande investimento na imagem
relações utilitárias
dificuldade de sustentar responsabilidade afetiva
O narcisismo encontra palco, não limite.
4. Em contextos de violência doméstica e abuso psicológico
Aqui o funcionamento deixa de ser apenas relacional e pode escalar:
controle
humilhação
intimidação
Em 2024 (dados mais recentes reportados no Atlas 2025), cerca de 1.459 mulheres foram assassinadas por razões de gênero no Brasil
5. No sistema penal e forense (minoria)
Casos de psicopatia em sentido estrito:
crimes reiterados
ausência de remorso
uso instrumental do outro
São raros, mas existem — e não representam a maior parte das relações abusivas.
O efeito psíquico em quem se relaciona com alguém assim
O efeito mais frequente não é tristeza simples, mas desorganização emocional. A pessoa passa a duvidar do próprio sentir, do próprio julgamento e da própria percepção da realidade. Surge ansiedade, ruminação e, muitas vezes, um empobrecimento da espontaneidade.
Isso não indica fragilidade pessoal. Indica exposição prolongada a uma relação em que um domina e o outro acata, por que se corre risco.
Uma verdade importante
Compreender esse funcionamento não serve para vigiar pessoas nem para rotular relações. Serve para interromper a própria violência psíquica de tentar sustentar vínculos onde o outro não está disponível para reconhecer, cuidar ou se implicar.
Não se trata de mudar o outro, mas de retirar o próprio desejo de um campo onde ele é usado, e não celebrado.












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