Gaslighting no trabalho
Quando o problema não é a sua reação, mas a cultura que desautoriza o que você sente.
O gaslight também pode acontecer no trabalho. Nem todo ambiente de trabalho adoece porque é pesado ou estressante. Alguns adoecem porque fazem você duvidar de si mesmo. Você começa confiante e, aos poucos, passa a revisar tudo o que diz, se desculpar por existir e checar mentalmente se não “interpretou errado”. Não é medo do erro — é medo de não ter mais legitimidade.
No gaslighting corporativo, o desgaste não vem de “muitas tarefas”, e sim da sensação de que a sua leitura da realidade é constantemente invalidada. Você não se sente apenas criticada — você se sente desacreditada. O problema deixa de ser o que aconteceu e passa a ser: será que fui eu?
O QUE É GASLIGHTING NO TRABALHO
Gaslighting no trabalho acontece quando o ambiente faz o funcionário duvidar da própria percepção e, aos poucos, desloca a responsabilidade para ele. Não é discordância profissional, nem feedback duro: é a negação sistemática do que a pessoa vive e sente.
Enquanto a crítica aponta um fato, o gaslighting questiona a percepção.
O resultado não é reflexão — é confusão.
Exemplos frequentes desse padrão:
o trabalhador relata algo e o grupo responde “isso não aconteceu”
o incômodo é tratado como exagero ou fragilidade
conversas são reescritas para inverter responsabilidade
o mal-estar é devolvido como incapacidade de interpretação
Não é o evento que machuca.
É a sensação de que a sua versão nunca é válida.
Veja quais são os indicios de gaslighting.
EXEMPLOS SUTIS NO AMBIENTE PROFISSIONAL
O gaslighting no trabalho raramente aparece na forma aberta de humilhação.
Ele se manifesta em reformulações, distorções e descrédito, até que a pessoa começa a achar que o problema está na sua leitura — não no que aconteceu.
Exemplos comuns:
Ao relatar um incômodo, a resposta vem como:
“Você está interpretando demais.”Quando descreve um episódio, dizem:
“Ninguém percebeu isso, então talvez não tenha sido assim.”Diante de um tratamento injusto:
“Você precisa ser mais profissional.”O desconforto é deslegitimado:
“Não é o que fizeram, é a forma como você reagiu.”A narrativa é reescrita para inverter responsabilidade:
“Ninguém te tratou mal, você é que levou para o lado pessoal.”
O ponto não é discordar do que foi dito —
é retirar validade da percepção de quem viveu.
Com o tempo, a pessoa deixa de reivindicar respeito e passa a revisar a si mesma:
primeiro sente que algo está errado, depois se pergunta se está “exagerando”, e por fim começa a se silenciar para não ser rotulado como “o problema”.
EFEITOS PSICOLÓGICOS E PROFISSIONAIS
O impacto do gaslighting no trabalho não aparece primeiro no desempenho — aparece na forma como a pessoa passa a se perceber dentro do ambiente. O objetivo do gaslighting não é “ganhar a discussão”, e sim deslegitimar quem questiona.
Os efeitos mais comuns são:
🔹 Na identidade profissional
sensação de não ser “bom(boa) o bastante”
dúvida constante sobre a própria competência
necessidade de pedir validação antes de agir
insegurança que não existia antes daquele ambiente
🔹 Na relação consigo
autoexplicação contínua
esforço permanente para “parecer estável”
medo de ser visto(a) como sensível/difícil
vigilância interna para não ser “mal interpretado(a)”
🔹 No comportamento dentro do grupo
retrair-se para não “chamar atenção”
aceitar dinâmicas injustas para evitar retaliação
autocensura antes mesmo de falar
agir como se estivesse devendo algo
O que se perde não é apenas autonomia —
é o sentido interno de legitimidade.
A pessoa não deixa de trabalhar.
Ela deixa de se sentir autorizada a existir com a própria percepção dentro daquele espaço.

QUANDO O PROBLEMA É A CULTURA (E NÃO A PESSOA)
Ambientes com gaslighting não precisam atacar diretamente: eles produzem um clima emocional onde o funcionário passa a se sentir errado só por existir com a própria percepção.
Não é uma interação isolada que cria o desgaste — é a atmosfera.
Alguns sinais de que o problema está no contexto (e não no indivíduo):
A equipe normaliza atitudes desrespeitosas como se fossem “padrão”.
Quem aponta inconsistências é visto(a) como “difícil”, “sensível” ou “problemático(a)”.
O desconforto vem acompanhado de culpa, como se pedir respeito fosse inadequado.
O grupo protege quem distorce e isola quem legitima a própria experiência.
Há incentivo velado para silenciar em vez de elaborar o conflito.
O mecanismo é sutil:
não te mandam calar — fazem você acreditar que não tem o direito de dizer.
Quando o ambiente invalida, desautoriza e reformula a realidade, o trabalhador não entende que está sendo atacado — entende que está “desajustado(a)”.
Esse é o efeito mais forte:
a erosão não é da função que se exerce, mas do lugar que se ocupa no grupo.

A abordagem psicanalítica
Como a
psicoterapia ajuda
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Restitui o senso de realidade interna: diferenciar sua voz psíquica do olhar do outro.
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Mapeia repetições (ex.: escolher parceiros que invalidam).
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Repara a autoestima sem cair no “tudo ou nada”.
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Fortalece limites e o uso da palavra para nomear a violência.
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Integra corpo e mente: reconhecer sinais de alerta no corpo (tensão, congelamento) como parte da história emocional.
POR QUE ISSO PRENDE A PESSOA AO AMBIENTE
Quem sofre gaslighting no trabalho não permanece porque “gosta”, ou porque “não enxerga”, mas porque o ambiente cria uma sensação de que sair confirmaria a narrativa de que o problema era a pessoa.
A dúvida vira coleira emocional.
O gaslighting prende porque:
A pessoa passa a se vigiar para evitar ser vista como inadequada.
Começa a acreditar que talvez “não se encaixe em lugar nenhum”.
Sente que precisa provar valor o tempo todo para “compensar”.
Fica com medo de ser (rotulado/rotulada) como instável ou frágil.
Receia que mudar de trabalho só reproduza o mesmo julgamento.
Em vez de perguntar “por que estou aceitando isso?”,
acaba perguntando “o que há de errado comigo?”.
Essa inversão é o ponto central:
o ambiente não apenas cansa — ele desautoriza.
Quando a pessoa perde a legitimidade interna, perde também a sensação de que tem o direito de se proteger.
Ela não sente que está “presa”.
Sente que não tem base interna para sair.
Isso também pode acontecer na família e nos relacionamentos amorosos
como saber se é gaslighting no trabalho
O sinal não é a crítica — é a sensação de que você precisa se justificar o tempo todo para que sua experiência seja considerada válida. Quando você começa a revisar mentalmente o que viveu para descobrir se “foi você”, o problema já não é o episódio em si: é a perda de legitimidade interna.
Me sinto sempre errado(a) no trabalho
Em ambientes com gaslighting, você começa a achar que existe algo errado em como você é, e não no que está acontecendo. Não é incompetência — é desautorização. A dúvida não nasce de falta de preparo, mas do modo como a sua percepção é tratada.
Gaslighting ambiente corporativo
Alguns ambientes não atacam diretamente — apenas fazem com que qualquer incômodo pareça exagero. O problema não aparece em uma frase isolada, mas no padrão: tudo que você sente é reinterpretado até que você passa a acreditar que não deveria sentir nada.
FAQ
Como saber se estou sofrendo gaslighting no trabalho?
- Quando aquilo que você vive ou percebe é sistematicamente deslegitimado, e você passa a duvidar de si antes mesmo de questionar o ambiente. O sinal não é conflito — é confusão sobre a própria percepção.
Gaslighting é a mesma coisa que assédio?
- Não necessariamente. O assédio é uma conduta direta; o gaslighting é uma dinâmica que altera a forma como a pessoa percebe a si mesma no ambiente. Muitas vezes o gaslighting prepara o terreno para o assédio.
Por que eu começo a achar que o problema sou eu?
- Porque o gaslighting desloca a responsabilidade: em vez de olhar para o comportamento do grupo, você passa a revisar o seu. A pessoa não pensa “estão me desrespeitando”, mas “eu devo estar exagerando”.
Falar sobre isso ajuda ou piora a situação?
- Depende da cultura do ambiente. Em contextos saudáveis, falar nomeia o problema; em contextos tóxicos, falar vira mais um motivo para ser desacreditado(a). A primeira mudança acontece internamente: reconhecer o padrão.
👩⚕️ Sobre a autora
Bruna Lima é psicóloga clínica (CRP 06/130409), formada pela FMU, com certificação pelo Instituto Sedes Sapientiae e Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Atua há mais de 10 anos com atendimento clínico, com foco em traumas relacionais, TEPT-C e dinâmicas de abuso emocional como o gaslighting.
Referências Bibliográficas
- Hirigoyen, M-F. (1998). Assédio moral no trabalho.
Herman, J. (1992). Trauma and Recovery.
Goleman, D. (1995). Emotional climate in organizations.
Einarsen, S. & Hoel, H. (2001). Bullying and psychological harm in workplaces.
Sarkis, S. (2018). Gaslighting: manipulation and reality distortion.
Estudos contemporâneos de clima organizacional e deslegitimação psicológica no trabalho.
Disclaimer
- Este conteúdo tem finalidade informativa e psicoeducativa. Ele não substitui orientação jurídica, departamental ou psicológica. Situações de gaslighting no ambiente profissional podem envolver múltiplos fatores institucionais e culturais, e cada caso precisa ser analisado à luz do contexto específico. O objetivo desta página é ajudar a reconhecer o padrão, não apontar culpados ou oferecer diagnóstico individual.
- 18 de outubro de 2025 às 20:14:13
Created date:
- 16 de novembro de 2025 às 15:55:22
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