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Exemplos de Gaslight

Exemplos reais e simbólicos de como o gaslighting aparece em diferentes contextos

Por isso exemplos são bons: muitas pessoas só percebem sinais do gaslighting depois que já estão profundamente envolvidas na relação — mas quase sempre há um momento anterior em que “algo não batia”, ainda que fosse difícil dar nome. Às vezes era uma sensação de confusão, às vezes de inadequação, às vezes de “ser sempre o problema”, mesmo quando nada objetivamente justificava aquilo.


Isso acontece porque o gaslight não começa com gritos, discussões ou acusação explícita — ele começa com reedições sutis da sua própria percepção: a outra pessoa não diz apenas que você está errado, ela faz você questionar se ainda pode confiar no que sente, lembra ou interpreta.


É por isso que exemplos são tão poderosos: olhando o fenômeno “de fora”, fica mais fácil reconhecer aquilo que, quando vivido, parece ambíguo ou confuso. A compreensão se instala quando a mente percebe:
“isso não é só conflito — isso é distorção sistemática.”


Nos próximos blocos, você verá o gaslighting acontecendo em diferentes contextos: nos relacionamentos, na família, no ambiente de trabalho, em casos reais noticiados, e também retratado na cultura pop. Ao observar esses padrões lado a lado, o que parecia “individual” se revela mecanismo repetível, com elementos psicológicos muito claros.

Relacionamento amoroso — YOU (Joe Goldberg)

Na série YOU, Joe não controla a vítima pela força, mas pelo enquadramento da realidade. Ele não se apresenta como agressor — se apresenta como “protetor”, “observador cuidadoso”, alguém que supostamente sabe o que é melhor para ela. À medida que o vínculo se estreita, ele começa a reescrever situações: “eu fiz isso por você”, “você não percebe, mas eu te protegi”, “se eu errei, foi apenas porque eu te amo demais”.


Aqui não há só mentira: há ressignificação manipulada dos fatos, sempre em favor do papel que ele quer ocupar.


O elemento gaslight não está no romance obsessivo, mas na troca da referência interna: a vítima deixa de interpretar os acontecimentos por conta própria e passa a depender do olhar dele para saber qual é “a verdade” sobre a relação. Joe não seduz apenas o afeto — ele sequestra a narrativa. E ao sequestrar a narrativa, sequestra também o critério de realidade.

Familiar — Sharp Objects (HBO)

Em Sharp Objects, o gaslighting aparece no ambiente familiar de forma silenciosa, sofisticada e profundamente internalizada. A mãe não grita, não confronta diretamente e nem precisa levantar a voz: ela distorce pela invalidação emocional constante — “você sempre foi sensível demais”, “você não lembra como as coisas realmente eram”, “isso é exagero seu”, “isso nunca aconteceu desse jeito”.


Aqui, o gaslight não serve apenas para manter controle imediato, mas para definir retrospectivamente o que conta como realidade dentro daquela família. A filha não perde apenas confiança no presente, mas também na própria história — o que cria uma erosão mais profunda: se tudo pode ter “sido diferente do que você lembra”, então sua percepção inteira fica em dúvida.


O dano psicológico nesse tipo de gaslighting é maior porque ele começa cedo: antes da vítima ter autonomia narrativa. Não é que ela deixe de confiar nela por desgaste — ela nunca chegou a aprender a confiar plenamente em si. Por isso, quando adulta, diante de manipulação externa, ela não reconhece o abuso: o padrão já estava inscrito como “normalidade relacional”.

Trabalho / Institucional — inversão hierárquica e descrédito interno

No ambiente profissional, o gaslighting aparece menos como ataque emocional direto e mais como negação sistemática de fatos. Um exemplo recorrente é quando líderes ou gestores desautorizam acontecimentos que ocorreram diante de outras pessoas: “isso nunca foi dito”, “você entendeu errado”, “não foi essa a orientação”, “ninguém mais reclamou disso, só você”.


Nessas situações, o objetivo não é só negar responsabilidade, mas instalar dúvida na percepção do subordinado. O trabalhador deixa de confiar no que ouviu ou viveu e passa a checar tudo mentalmente antes de falar, com medo de ser novamente desacreditado. Isso cria um efeito de silenciamento velado: a pessoa não é punida por falar — ela é punida por perceber.


O resultado psicológico é o mesmo dos vínculos afetivos:
a verdade deixa de ser “o que aconteceu” e passa a ser “o que a hierarquia valida como real”. Quando o trabalhador começa a desconfiar da própria memória ou clareza, já não há debate — há submissão narrativa. É por isso que gaslighting institucional é tão eficaz: ele não oprime pela força, mas pela distorção do consenso interno.

representação de uma pessoa confusa ouvindo outra reescrever os fatos, simbolizando gaslighting em diferentes contextos

Notícias Reais — Caso Mariana Ferrer (institucional + público)

O caso Mariana Ferrer é um dos exemplos mais claros de gaslighting institucional já registrados no Brasil. Durante o julgamento, a narrativa da vítima foi sistematicamente desmontada, não por meio de evidências contrárias, mas por descrédito emocional: não se questionava apenas o fato — questionava-se sua capacidade de interpretar o fato. O tribunal não disse “não houve violência”: disse “você não entendeu o que houve”.


Esse é o cerne do gaslighting: deslocar o eixo da discussão do acontecimento para a sanidade, coerência ou credibilidade da pessoa. Ao invés de se discutir o que aconteceu, discute-se se a vítima é “digna de confiança” — e quando a confiança no sujeito é destruída, a versão dele desaparece junto. É a lógica do: “não é que você esteja mentindo, é que você não é confiável para saber o que viveu.”


No plano psicológico, esse é um mecanismo devastador, porque transforma o agressor (ou o sistema que o sustenta) em definidor oficial da realidade. Quando o poder formal chancela a distorção, a vítima não é apenas desacreditada — ela é apagada narrativamente. Por isso, o gaslighting institucional é a forma mais alta de controle simbólico: ele não nega apenas o que aconteceu, ele nega o direito do sujeito de nomear sua própria experiência.

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A abordagem psicanalítica

Como a
psicoterapia ajuda

  • Restitui o senso de realidade interna: diferenciar sua voz psíquica do olhar do outro.

  • Mapeia repetições (ex.: escolher parceiros que invalidam).

  • Repara a autoestima sem cair no “tudo ou nada”.

  • Fortalece limites e o uso da palavra para nomear a violência.

  • Integra corpo e mente: reconhecer sinais de alerta no corpo (tensão, congelamento) como parte da história emocional.

Cultura pop — quando a ficção mostra o mecanismo “por dentro”

🎥 Girl on the Train 


Em The Girl on the Train, a protagonista perde progressivamente a confiança em si mesma porque o agressor não contesta apenas suas falas, mas sua capacidade de lembrar corretamente. Ele se aproveita da fragilidade emocional dela para reinterpretar os fatos e plantá-los de volta como se fossem “realidade corrigida”. A partir de certo ponto, ela não sabe mais se “lembra” ou se “acha que lembra”.


O que parece uma trama policial é, psicologicamente, a dissolução da referência interna. Ela não teme o agressor pela força física — ela teme a possibilidade de estar equivocada sobre si. O medo deixa de ser “ele” e passa a ser “e se eu não puder confiar em mim?”. Esse é o ponto de inflexão onde o gaslighting cumpre sua função: antes de destruir a autonomia, ele destrói a confiança epistêmica (a capacidade de saber o que se sabe).


🎥 The Invisible Man 


Em The Invisible Man, o gaslighting se torna ainda mais explícito: a vítima tenta denunciar a violência, mas é tratada como instável, exagerada, “dramática” ou paranoica. A genialidade da metáfora é evidente — ele não precisa estar visível para exercer controle; basta que a dúvida sobre a sanidade dela seja instalada.


O agressor não busca apenas que ela obedeça — ele busca que ela desacredite a própria percepção, porque uma vez que a vítima se percebe “não confiável”, qualquer relato que faça perde força antes mesmo de ser ouvido. Trata-se do gaslight elevado ao nível máximo: não é só “o que você viu”, é “você não é alguém que merece crédito para ver.”


Esse filme traduz o mecanismo invisível da violência psicológica: o agressor não precisa destruir a realidade — basta destruir o direito da vítima de ser autorizada a percebê-la.

O que todos esses exemplos têm em comum

Apesar de acontecerem em contextos diferentes — amorosos, familiares, institucionais ou sociais — todos os casos acima compartilham a mesma mecânica psicológica:
o gaslighting não tenta primeiro controlar a situação, ele tenta controlar a interpretação da situação.

É sempre a percepção que é atacada primeiro.

E, quando a percepção é desautorizada, a vítima passa a depender do agressor para saber o que é “real”. É por isso que o gaslight não começa como violência, mas como “correção”, "mansplaining", “explicação”, “ajuste”, “lógica”, “boa intenção” ou “proteção”.
Antes de parecer abuso, ele parece coerência.


O núcleo é sempre o mesmo:

converter dependência afetiva em dependência interpretativa.

No relacionamento, isso acontece pelo vínculo.
Na família, pela origem da referência.
No trabalho, pelo poder hierárquico.
Na esfera pública, pela autoridade institucional.
Na ficção, pela metáfora do descrédito.


Confira como se proteger.

O QUE O GASLIGHT CAUSA

O que rompe o gaslighting não é confronto, mas reconstrução da referência interna.
Quando você deixa de se perguntar “o que o outro acha que aconteceu?” e volta a se perguntar “o que eu vivi e senti?”, a narrativa volta para o eixo de onde ela foi retirada.

Por isso, o primeiro movimento não é provar nada para o agressor — é voltar a poder acreditar em si.
Sem essa base interna, qualquer tentativa de limite vira novo campo de distorção.

A terapia funciona nesse ponto exato: ela não serve para “convencer o outro”, mas para restituir o critério interno de realidade, reorganizando o que foi desautorizado. Quando você volta a ser sujeito da própria experiência, o gaslighting perde a matéria-prima com a qual operava.

COMO O GASLIGHTING SURGE NAS MICROINTERAÇÕES DO DIA A DIA ANTES DE SE TORNAR EXPLÍCITO

O gaslighting raramente começa em cenas dramáticas: ele se instala em pequenas correções sutis da sua percepção. É quando alguém diz “não foi isso que eu quis dizer”, “você entendeu errado”, “você sempre dramatiza”, “ninguém mais pensou isso”, “não faça tempestade”, “isso é coisa da sua cabeça”.
Nesse estágio, ainda não há confronto direto — há reedição emocional, onde o outro se coloca como intérprete “mais confiável” do acontecimento do que você mesma(o).

São essas pequenas microfraturas na autoconfiança que preparam o terreno psicológico. Você não abre mão da sua percepção de uma vez — você vai cedendo milímetros, até perceber que já não tem mais referência própria. É nesse ponto que o leitor, se olha para trás, percebe: o gaslighting começou muito antes do rótulo.

FAQ

Como saber se é gaslighting e não só uma discordância comum?

    No conflito saudável, as versões coexistem. No gaslighting, só a versão do outro pode existir. A discordância é sobre o fato; o gaslighting é sobre a sua capacidade de perceber o fato.

Por que eu começo a duvidar de mim em vez de questionar o outro?

    Porque o gaslighting desloca o foco: primeiro ele desautoriza seu sentir, depois sua interpretação. Quando você duvida de si, o agressor não precisa mais te convencer — você já está insegura(o) o suficiente para aceitar a narrativa dele.

E se eu estiver exagerando e não for gaslighting?

    Se você está considerando essa hipótese com medo de “estar errada(o)”, e não com desejo genuíno de compreender o evento, isso já é um sinal. Quando o questionamento nasce de culpa, não de reflexão, é porque a referência já foi deslocada.

Qual é o primeiro passo real para quebrar o ciclo?

    Voltar a se escutar antes de se justificar. O gaslighting perde força quando você retoma o direito interno de nomear o que vive — sem pedir autorização interpretativa ao outro.

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Psicóloga Bruna Lima

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👩‍⚕️ Sobre a autora

Bruna Lima é psicóloga clínica (CRP 06/130409), formada pela FMU, com certificação pelo Instituto Sedes Sapientiae e Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Atua há mais de 10 anos com atendimento clínico, com foco em traumas relacionais, TEPT-C e dinâmicas de abuso emocional como o gaslighting.

Referências Bibliográficas

    Stern, Robin. The Gaslight Effect (2007)

    Herman, Judith. Trauma and Recovery (1992)

    Stark, Evan. Coercive Control (2007)

    Bion, Wilfred. Elements of Psychoanalysis (1963)

    Ferenczi, Sándor. Confusion of Tongues (1933)

Disclaimer

    Este conteúdo tem finalidade psicoeducativa e não substitui avaliação clínica individual. Os exemplos apresentados ilustram mecanismos psicológicos típicos do gaslighting, mas cada experiência precisa ser compreendida no contexto subjetivo de quem viveu. Caso você se reconheça nesses padrões, o acompanhamento terapêutico pode ajudar a reconstruir a referência interna que foi desautorizada.
    18 de outubro de 2025 às 20:24:18

Created date:

    16 de novembro de 2025 às 15:21:11

Last modified:

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